Como as leis anti-tabagismo levaram o Brasil ao cenário de 'livre do fumo'
- Blog do Yan Ney
- 17 de mai. de 2023
- 4 min de leitura
Atualizado: 26 de jun. de 2023
Relatório coloca país ao lado da Turquia como exitosos na questão de políticas públicas

Segundo um relatório publicado em 15 de maio pela Smoke Free Sweden 2023, através da Health Diplomats, uma organização internacional que trabalha para melhorar o acesso aos cuidados de saúde, o Brasil é um forte candidato a ser “livre do fumo”. Pelas diretrizes da Organização Mundial de Saúde (OMS), um país só é categorizado assim quando fica abaixo de 5% de fumantes. No Brasil, a taxa atual de tabagistas se encontra próxima aos 9%.
Em 2019, um levantamento da própria OMS considerou o Brasil um dos primeiros países do mundo a alcançar o nível mais alto das seis medidas MPOWER de controle do tabaco. Isso significa que o país conseguiu implementar as melhores práticas de controle ao tabagismo. Neste relatório, o Brasil está ao lado da Turquia como as duas únicas nações do mundo que implementaram ações governamentais de sucesso.
Para alcançar esse status, o país percorreu um longo caminho. Uma das primeiras e principais medidas está a portaria que restringia fumo nos ambientes de trabalho. Anos mais tarde, o Estatuto da Criança e do Adolescente (Lei nº 8.069 de 1990) proibiu vender, fornecer ou entregar, à criança ou ao adolescente, produtos cujos componentes possam causar dependência física ou psíquica, dentre eles o tabaco.
Para o presidente da Comissão de Políticas sobre Drogas da OABRJ, Wanderley Rebello Filho, a lei que proíbe fumar em locais fechados foi essencial para o processo de redução no número de fumantes, e as que vieram em seguida só fortaleceram a política.
“A Lei 9.294/1996, que fundamentalmente proíbe fumar em locais fechados, foi o começo de tudo. Depois veio outra que a ampliou, proibindo o uso de cigarros, cigarrilhas, charutos, cachimbos ou qualquer outro produto fumígeno, derivado ou não do tabaco, em recinto coletivo fechado, privado ou público, em todo país. Fora a campanha movida contra o fumo, e a retirada das propagandas do uso do tabaco dos meios de comunicação, principalmente da televisão”, afirmou.
Em pouco tempo, novas restrições ao uso e à propaganda de produtos derivados do tabaco foram surgindo, proibindo a venda a menores de 18 anos e a participação de crianças e adolescentes na publicidade de produtos derivados do tabaco. Em 2006, quando o Brasil começou a monitorar o cenário do fumo, o número de fumantes ultrapassava os 15%. Em pouco menos de duas décadas, essa quantidade reduziu em 40%.
Para os ex-fumantes, o cenário de recuperação é bastante complicado. Nos anos 1990, o Ministério da Saúde começou a capacitar equipes do Instituto Nacional do Câncer (Inca) para realizarem o tratamento pelo Sistema Único de Saúde (SUS). De 2005 a 2016, quase 1,6 milhão de brasileiros realizaram esse acompanhamento. Segundo a OMS, a medida é essencial para o sucesso das políticas antitabagismo, já que 6 a cada 10 fumantes têm vontade de parar, mas apenas 4% conseguem fazer isso sem ajuda.
Ainda segundo Wanderley, o álcool prejudica quem está no processo de parar de fumar, pois acaba se tornando um gatilho. Segundo a medicina, quando ingerimos bebidas alcoólicas, aumenta a concentração de álcool no sangue e aumenta a solubilidade da nicotina. Assim, menos nicotina vai chegar ao cérebro e, por isso, aumenta a necessidade de fumar.
“Outros fatores são a bebida, os ambientes festivos fechados onde o fumo é permitido, e até as dificuldades da vida, posto que aparentemente o uso do cigarro alivia momentos de tristeza, depressão, desesperança, etc. Mas o álcool é um grande gatilho para o fumo”, disse o presidente da Comissão.
Um dos públicos alvo das medidas antifumo são crianças, adolescentes, mulheres e pessoas com deficiência. Pensando nisso, a Comissão de Políticas sobre Drogas da OABRJ vai promover, em agosto, um evento com essa temática. Para o presidente do grupo, adolescentes estão começando a consumir drogas mais cedo e isso pode prejudicar décadas de políticas públicas.
“Hoje crianças e adolescentes começam mais cedo a ingerir bebida alcoólica e a consumir drogas ilícitas, e as mulheres estão usando mais álcool e drogas do que os homens. O aumento do uso e do abuso entre elas é maior do que o aumento entre os homens! Vamos tentar aprender um pouco sobre o que está acontecendo”, adiantou.
A questão da maconha
O êxito de várias leis antifumo acabam promovendo a discussão em torno de outro tabu social: a legalização da maconha. Desde 2015, um processo parado no Supremo Tribunal Federal vem julgando a inconstitucionalidade de artigo da Lei Antidrogas (nº 11.343, de 2006) que pode autorizar o porte pessoal de pequenas quantidades de maconha no país. O texto tem a aprovação dos ministros Gilmar Mendes, o relator, Luís Roberto Barroso e Edson Fachin.
Wanderley Rebello vê a legalização com bons olhos e acredita que não vai aumentar o número de usuários. Ainda segundo ele, políticas públicas também devem pautar a conscientização em torno das drogas, sejam elas lícitas ou ilícitas.
"Leis antitabaco foram muito positivas. Quanto à legalização da maconha, sou favorável. Aliás, já há processo no Supremo Tribunal Federal que trata deste tema, e já há três votos favoráveis à liberação do uso recreativo da maconha. E a legalização / liberação / regulamentação, como queiram chamar, não vai aumentar o número de usuários. O importante são as necessárias, e já inadiáveis, políticas públicas e boa educação sobre o tema, para conscientizar a população acerca dos malefícios das drogas lícitas e das ilícitas. O álcool é disparado a pior droga, e ele ainda circula perigosamente pela televisão. A maconha chega a ser inofensiva perto do álcool”, concluiu.
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